Thursday, October 26, 2006

Prémio Nobel da Literatura 2006

Realizou-se no Anfiteatro do Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, no dia 19 de Outubro de 2006, uma apresentação-discussão sobre os trabalhos dos galardoados com os Prémios Nobel deste ano de 2006 e os impactos que tais trabalhos podem ter na sociedade actual. O Prémio Nobel da Literatura foi apresentado/discutido pelo Professor Doutor Mário Cabral. A Comissão Nobel Sueca decidiu atribuir o Prémio Nobel da Literatura a Ohran Pamuk devido "who in the quest for the melancholic soul of his native city has discovered new symbols for the clash and interlacing of cultures".


LITERATURA/POLÍTICA/RELIGIÃO
Mais uma vez o prémio Nobel da Literatura é envolto na polémica das relações Literatura/Política. Desta vez, por se tratar de um turco, devemos acrescentar a Religião à contenda. É inegável que, seja qual for o mérito deste escritor, as relações da sua obra com a actualidade política e religiosa são evidentes. É legítimo que a Academia Sueca tenha uma tábua de valores, dado que o dinheiro lhe pertence. Só está em causa o valor intrínseco da obra de Orhan Pamuk se se considerar o prémio Nobel como garantia de genialidade literária. Não parto desta presunção. Considero o prémio Nobel apenas como uma chamada de atenção respeitável para uma determinada obra literária do momento.


ARTE PELA ARTE
Suponho que aqueles que sublinham a tendência política desta decisão se inclinam para elogiar o experimentalismo formal da arte pela arte. Compreendo-os e não estou em total desacordo com eles. Por meu lado, deixei de ter certezas a este respeito à medida que amadurecia. Inclino-me para pensar que a arte pela arte é uma perversidade, na medida em que a estética como valor dos valores é desumana, ou seja, não atende à excelência da pessoa. Seja como for, no caso do romance, é difícil de recusar que apresenta uma cosmovisão; e mesmo que ficcional, interessa-me saber quais as propostas desta ou daquela narrativa, por mais perfeita que seja formalmente – diria, até, tanto mais quanto for grande o valor estético da obra em questão.

1. Pamuk nem é um autor sem interesse formal, bastando enumerar as suas influências (Joyce, Proust, Borges, etc.);

2. Para além destas influências, Pamuk é bastante lido no Ocidente, dá aulas nas universidades americanas, etc. Na Turquia queimam-lhe os livros e tem um processo pendente por tomadas de posição que são do domínio público:

a) Como não ter o seguinte pensamento maldoso: «Turcos destes não nos importamos que pertençam à Europa unida»?!

i. Um dos temas recorrentes de Pamuk é o do duplo, o do sósia que vem de Veneza para Istambul, por exemplo;

ii. E o império romano do Oriente? E a cultura bizantina? E, antes, os pré-socráticos que vinham quase todos das ilhas mesmo ali ao lado;


iii. E não são, efectivamente, islâmicos e cristãos dois dos três povos monoteístas, crentes no mesmo Deus único?

iv. Mas quem muda e quem é mudado? E o que é que muda em ambas as coordenadas?



RELIGIÃO/LITERATURA
A Literatura começou por estar ligada à Religião e, para prová-lo, basta que leiamos os livros sagrados de seja qual for a cultura. Não foi há muito tempo que a Literatura se desvinculou por completo da Religião, e isto só aconteceu no Ocidente, que eu saiba. Diria que só o realismo (séc. XIX) provoca as crenças religiosas ocidentais, numa evidente luta pelo poder. É consequente que, no caso islâmico, a Literatura não esteja isenta de censura, tal como não está a política e a cultura em geral. Por estarmos há mais de dois milénios numa civilização a-teocrática esquecemo-nos que existem estados teocráticos.

1. Como não trazer à baila o episódio tão recente do discurso do Santo Padre na Alemanha, que tantos azedumes levantou e que tão poucos apoios explícitos de governantes europeus colheu?

2. A eleição de Tamuk não deveria levar, a contrario sensu, a que se desse razão à lição de Bento XVI, com todas as consequências futuras que deveríamos enumerar para estudo?


VERDADE, TEMPO E ESPAÇO
As polémicas que sempre se levantam em redor do prémio Nobel da Literatura parece não afectarem os outros prémios, nem sequer o da paz (que, diga-se em abono da verdade, este ano poderia ser bem discutido…). Se eu soubesse mais de ciências do que aquilo que sei aposto que encontraria razões de suspeita – pois se mesmo assim ignorante, fico, enquanto católico, embaraçado com o prémio da medicina! Parece-me que isto se deve ao facto de a Literatura jogar fora de casa, como passo a explicar.


NATUREZA
As ciências não têm fronteiras mas são um conhecimento temporal. O objecto das ciências é a Natureza (ser humano incluído como animal), que é igual nas suas leis em toda a parte. Estas leis são ultrapassadas pelo progresso porque a ciência não detém a Verdade, que cada vez menos, inclusive, procura, contentando-se com conjecturas que funcionam.

1. Os artigos científicos são escritos em Inglês e publicados em revistas internacionais;

2. O futuro em ciência significa progresso e melhoria (só por curiosidade histórica lemos a física de Aristóteles);

3. Paradoxalmente, a ciência não é teleológica. É uma linha recta virada para uma incógnita.


HOMEM
O caso da Literatura é bem diverso, como, de resto, o de todas as Humanidades. Quanto melhor é a obra literária, mais ela sai do tempo, porque ao escritor interessa sobretudo a alma humana nas suas verdades eternas. Contudo, a Literatura nasce numa Língua e numa cultura específica e limitada por fronteiras.

1. Pamuk escreve sempre em turco. Por analogia, suponho que só o turco lhe permite a densidade indispensável ao acto criador. Não só por analogia – ouvi-o afirmar isto mesmo a um jornalista que lhe perguntava em qual língua o aconselhava a lê-lo).

a) Quero crer que a Academia Sueca o leu no original…;

b) Noutros tempos, as pessoas cultas aprendiam a ler uma língua – por exemplo o Português – para entrarem em contacto com a obra de um determinado génio – por exemplo Camões.

2. O futuro em Literatura nem sempre significa progresso e melhoria (será Pamuk comparável a Homero?);

3. As Humanidades são concêntricas, o que significa que têm um único centro para diversas circunferências e, nestas, pontos circunstanciais distintos.


CONCLUSÃO
O senhor Nobel teve todo o direito de apreciar uma única das seis Humanidades, que premiou entre as ciências. Dá a ideia que são matérias afins mas não são. Os critérios de umas não são válidos para a outra. Isto seria prejudicial para a Literatura, não fosse a Literatura mais do que o prémio Nobel. E, a terminar, sublinhe-se que, para além das outras Humanidades (História, Religião, Belas-Artes, Música e Filosofia), também não recebe prémio a Matemática, por exemplo. Digo isto para relativizar a importância deste acontecimento anual que, estou em crer, só tem a cobertura jornalística que tem devido ao prémio pecuniário (que não rejeitaria).

0 Comments:

Post a Comment

<< Home