Saturday, January 13, 2007

Discurso do Prof. Muhammad Yunus na entrega do Prémio Nobel: A pobreza é uma ameaça à Paz

Minhas Senhoras e meus Senhores:

Ao conceder-nos este prémio, o Comité Nobel Norueguês dá um importante apoio ao conceito de que a paz está directamente ligada à pobreza. A pobreza é uma ameaça à paz.
A distribuição de rendimentos no mundo dá-nos uma história bem reveladora. Noventa e quatro por cento do rendimento mundial vai para 40 por cento da população enquanto sessenta por cento dessa população vive apenas com 6 por cento desse rendimento. Metade da população de todo o mundo vive com 2 dólares por dia. Mais de um bilião de pessoas vive com menos de um dólar por dia. Isto não é uma fórmula para a paz.
O novo milénio começou com um grande sonho global. Líderes de todo o mundo juntaram-se nas Nações Unidas em 2000 e adoptaram, entre outros, o objectivo histórico de reduzir a pobreza em metade até ao ano 2015. Nunca na história do Homem um tão arrojado objectivo tinha alguma vez sido adoptado pelo mundo inteiro, numa só voz, quantificado e com prazo. Mas eis que acontece o 11 de Setembro e a guerra no Iraque e de repente o mundo desvia-se da perseguição deste sonho e os líderes mundiais do combate à pobreza para o combate ao terrorismo. Até agora, só pelos Estados Unidos da América já foram gastos mais de 530 biliões de dólares com a guerra no Iraque.
Acredito que o terrorismo não pode ser vencido com acções militares. O terrorismo deve ser condenado com o mais duro dos discursos. Devemos erguer-nos firmemente contra ele e encontrar todos os meios para o combater. Devemos debruçar-nos sobre as causas do terrorismo para lhe podermos pôr um fim definitivo. Penso que consagrar recursos a uma melhoria de vida dos pobres é a melhores estratégia, melhor do que a compra de armas.

A POBREZA É A NEGAÇÃO DE TODOS OS DIREITOS HUMANOS

A paz deve ser entendida de uma forma humana, numa perspectiva social, politica e económica, alargada. A paz é ameaçada por uma ordem económica, social e politica injusta, pela ausência de democracia, pela degradação ambiental e pela ausência de direitos humanos.
A pobreza é a ausência de todos os direitos humanos. As frustrações, a hostilidade e a raiva geradas pela pobreza abjecta não podem garantir a paz em nenhuma sociedade. Para construir uma paz sustentada é necessário encontrar formas de criar oportunidades para que as pessoas possam ter uma vida decente.
A criação de oportunidades para a maioria da população – a pobre – está no centro do trabalho a que nos temos dedicado nos últimos 30 anos.

BANCO GRAMEEN

Quando me envolvi na questão da pobreza não foi como legislador ou investigador. Envolvi-me porque a pobreza se encontrava à minha volta e não havia maneira de fugir dela.
Em 1974 era-me difícil ensinar teorias elegantes de economia na sala de aula da universidade, tendo como cenário a terrível fome no Bangladesh. De repente senti o vazio dessas teorias perante uma fome e pobreza esmagadoras. Queria fazer algo de efeito imediato para ajudar as pessoas à minha volta, mesmo que fosse a um só ser humano, para que pudesse sobreviver melhor, a mais um dia. Deparei-me. Assim, com a luta de pessoas pobres para conseguirem quantias ínfimas de dinheiro que suportassem os seus esforços de sobrevivência. Fiquei chocado ao descobrir, numa aldeia, uma mulher que para obter um empréstimo de menos de um dólar de um usurário, teve que aceitar a condição de lhe dar o direito exclusivo de receber tudo o que ela produzisse, pelo preço que ele decidisse. Isto, na minha opinião, era uma forma de recrutar trabalho escravo.
Decidi então fazer uma lista das vítimas deste “negócio” usurário, na aldeia mais próxima da universidade. Quando completei a lista, tinha os nomes de 42 vítimas com empréstimos no total de 27 dólares. Ofereci 27 dólares do meu bolso para libertar essas vítimas das garras daqueles usurários. O entusiasmo gerado por este pequeno gesto fez com que me envolvesse ainda mais. Se eu podia fazer tanta gente feliz, com uma quantia tão pequena, porque não fazer mais? É isso que tenho tentado fazer desde então. A primeira coisa que fiz foi tentar que o banco situado na universidade emprestasse dinheiro aos pobres. Mas não consegui. O banco disse-me que os pobres não eram dignos de crédito. Depois de todos os meus esforços falharem ao longo de vários meses, ofereci-me como avalista dos empréstimos aos pobres. Fiquei espantado com o resultado. Os pobres pagaram os seus empréstimos pontualmente. Continuava, no entanto, a encontrar dificuldades em expandir o programa através dos bancos existentes. Foi então que decidi criar um banco para pobres e, em 1983, consegui, finalmente, fazê-lo. Dei-lhe o nome de Banco Grameen ou Banco de Aldeia. Actualmente o Banco Grameen concede empréstimos a quase 7 milhões de pobres, 97 por cento dos quais são mulheres, em 73 000 aldeias do Bangladesh. O Banco Grameen disponibiliza, sem garantias, empréstimos para criação de rendimento, para habitação, para estudantes e criação de micro-empresas de famílias pobres, oferecendo, também, aos seus membros uma atractiva gama de produtos de poupança, como fundos de pensão e seguros. Desde que foram introduzidos em 1984, os empréstimos à habitação foram utilizados para a construção de 640 000 casas. A posse legal destas habitações pertence às próprias mulheres.
Concentrámo-nos nas mulheres, porque descobrimos que os empréstimos concedidos a mulheres traziam sempre mais benefícios para as famílias. De uma forma acumulada o banco já concedeu empréstimos no total de 6 biliões de dólares. A taxa de reembolso dos empréstimos é de 99%. O Banco Grameen gera lucro de forma regular. É financeiramente auto-suficiente e não recebe donativos desde 1995. Depósitos e recursos próprios perfazem 143% do total de empréstimos concedidos. De acordo com uma auditoria interna do Banco, 58% dos seus mutuários já ultrapassaram o limiar de pobreza.
O Grameen começou como um pequeno projecto local gerido com a ajuda de vários dos meus estudante todos, raparigas e rapazes daquela região. Depois de todos estes anos, três desses estudantes continuam comigo no Banco, em cargos executivos de topo, e estão, hoje, aqui para receber esta distinção que nos é dada.
Esta ideia que começou em Jobra, uma pequena aldeia do Bangladesh, foi alargada a todo o mundo e hoje existem programas idênticos em quase todos os países.

SEGUNDA GERAÇÃO

Faz agora 30 anos que começámos. Acompanhamos as crianças dos nossos mutuários para perceber o impacto do nosso trabalho nas suas vidas. As mulheres a quem concedemos empréstimos sempre puseram os seus filhos no topo das suas prioridades. Uma das 16 decisões desenvolvidas e seguidas por elas era a de enviarem os filhos para a escola. O Banco Grameen encorajou-as e em pouco tempo todas as crianças iam à escola. Muitas dessas crianças tornaram-se as melhores das suas turmas. Quisemos celebrar esse facto e por isso introduzimos bolsas de estudos para esses estudantes. O Grameen atribui hoje 30 000 bolsas de estudo por ano.
Muitas dessas crianças seguiram para uma educação superior e são hoje médicos, engenheiros, professores e outros profissionais. Introduzimos empréstimos para que os estudantes Grameen pudessem completar essa educação superior. Alguns deles são hoje Doutorados. Existem 13 000 estudantes a beneficiar destes empréstimos. Juntam-se, anualmente, mais de 7 000 estudantes a este número.
Estamos a criar uma nova geração, completamente diferente, que estará bem habilitada para afastar as suas famílias para bem longe da pobreza. Queremos quebrar a continuidade histórica da pobreza.

OS PEDINTES PODEM TORNAR-SE EMPRESÁRIOS

No Bangladesh o microcrédito já atingiu 80 por cento das famílias pobres. Temos esperança que em 2010, chegue a 100 por cento dessa famílias.
Há três anos iniciámos um programa exclusivo centrado nos pedintes. Nenhuma das regras do Banco Grameen se aplica a eles. Os empréstimos são livres de juros; podem pagar o montante que quiserem, quando quiserem. Segerimos-lhes que levassem com eles pequenos artigos como, comida, brinquedos ou artigos para casa, quando fossem bater de porta a porta. A ideia resultou. Há, agora, 85 000 pedintes no programa. Cerca de 5 000 pararam já, por completo, de pedir. O empréstimo tipo para pedintes é de 12 dólares.
Encorajamos e apoiamos qualquer tipo de intervenção para ajudar os pobres a lutar contra a pobreza. Defendemos sempre que o microcrédito pode ser utilizado em conjunto com outras iniciativas, com o argumento de que o microcrédito faz com que essas iniciativas funcionem melhor.

INFORMAÇÃO E TECNOLOGIA PARA OS POBRES

A informação e a comunicação tecnológicas (ICT) estão a mudar rapidamente o mundo, transformando-o num mundo de comunicações instantâneas sem distâncias nem fronteiras, comunicações essas, em termos de custo, cada vez mais acessíveis. Apercebi-me que aqui se encontrava uma oportunidade para os pobres mudarem as suas vidas, desde que esta tecnologia pudesse ser trazida até eles e ir de encontro às suas necessidades.
Como um primeiro passo para trazermos as ICT até aos pobres, criamos uma companhia de telemóveis, Grameen Phone. Concedemos empréstimos do Banco Grameen a mulheres pobres, para comprarem telemóveis e vender serviços telefónicos nas suas aldeias.
Apercebemo-nos da sinergia entre o microcrédito e as ICT. O negócio dos telefones foi um sucesso e tornou-se num negócio muito cobiçado entre os mutuários do Grameen. As “senhoras dos telefones” rapidamente aprenderam e inovaram o negócio dos telefones, transformando-o numa das formas mais rápidas de sair da pobreza e ganhar respeito social. Actualmente existem cerca de 300 000 “senhoras dos telefones” que proporcionam serviços telefónicos em todas as aldeias do Bangladesh. A Grameen Phone tem mais de 10 milhões de assinantes e é a maior empresa de telemóveis do país. Embora sendo uma pequena fracção do total de assinantes, as “senhoras dos telefones” geram 19 por cento do rendimento da empresa. Dos nove membros da administração, aqui hoje a assistir a esta magnifica cerimónia, quatro são “senhoras dos telefones”.
A Grameen Phone é uma joint-venture pertencente à Telenor da Noruega e à Grameen Telecom do Bangladesh. A Telenor detém 62% do capital da empresa e a Grameen Telecom 38%. O nosso objectivo final é transformar esta empresa numa empresa social, concedendo a maioria do capital às mulheres pobres do Grameen Bank. Estamos a trabalhar para atingir esse objectivo. Um dia a Grameen Phone será mais um exemplo de uma grande empresa a pertencer a pobres.

ECONOMIA DE MERCADO LIVRE

O capitalismo baseia-se no mercado livre. Diz-se que quanto mais livre o mercado, melhor é o resultado do capitalismo na resolução de questões tais como, o quê, o como e o para quem. Diz-se também que a procura individual de lucro pessoal produz o resultado
colectivo ideal. Sou a favor de reforçar a liberdade do mercado. Simultaneamente não estou nada satisfeito com as restrições conceptuais impostas aos seus intervenientes. Isto resulta da premissa de que os empreendedores são seres humanos de uma só dimensão, que têm uma só missão nas suas vidas empresariais, a de aumentar o lucro. Esta interpretação do capitalismo separa os empreendedores de qualquer outra dimensão nas suas vidas, a politica, a emocional, a social ou a espiritual. Isto foi admitido, provavelmente, como uma razoável simplificação mas acabou por esquecer a própria essência da vida humana.
O ser humano é uma criação maravilhosa imbuída de qualidades e potencial humano ilimitado. As nossas construções teóricas não devem partir de pressupostos negativos mas sim dar condições para que estas qualidades possam desabrochar.
Muitos dos problemas do Mundo existem por causa destas restrições impostas aos intervenientes do mercado livre. O Mundo não resolveu o problema da pobreza esmagadora em que vive metade da sua população. A saúde continua fora do alcance da maioria. O país que tem o mercado mais rico e livre do mundo, não oferece cuidados de saúde a um quinto da sua população.
Continuámos tão impressionados com o sucesso do mercado livre que nunca ousámos expressar dúvidas sobre as suas premissas de base. Pior, trabalhamos ainda mais afincadamente no sentido de nos tornarmos o mais parecidos possível com o ser humano de uma só dimensão, que foi concebido pela teoria, de modo a , permitir que o mecanismo do mercado livre funcionasse sem atritos.
Ao definir “empreendedor” de uma forma mais lata podemos mudar as características do capitalismo de uma forma radical e resolver muitos dos problemas económicos e sociais não resolvidos no âmbito do mercado livre. Suponhamos que um empreendedor em vez de ter uma só fonte de motivação (por exemplo, aumentar o lucro), tem agora duas fontes que embora distintas são igualmente irresistíveis: a) aumentar o lucro; b) fazer bem ao próximo e ao Mundo. Cada uma das motivações conduzirá a um género de empresa diferente. Chamemos à primeira, empresa para aumento de lucro e à segunda empresa social.
As empresas sociais serão um novo tipo de negócio introduzido no mercado com o objectivo mudar o Mundo. Os investidores de uma empresa social poderiam ver o retorno do seu investimento na empresa, mas não os dividendos. Os lucros seriam reinvestidos na empresa de forma a aumentar o seu raio de acção e melhorar a qualidade dos seus produtos ou serviços. A empresa social será uma empresa onde não haverá lugar a perdas ou ganhos. Uma vez feito o reconhecimento jurídico das empresas sociais, muitas das actuais empresas avançarão para a criação de empresas deste tipo, que se juntarão à sua actividade inicial. Muitos activistas do sector não lucrativo acharão também que esta é uma opção interessante. Contrariamente ao que acontece no sector não lucrativo onde é necessário angariar donativos para poder continuar a actividade, a empresa social é auto-suficiente e gera fundos para crescer, uma vez que é uma empresa onde não há perdas. A empresa social entrará num tipo próprio de mercado de capitais, para angariar capital.
A juventude do Mundo inteiro, particularmente a de países ricos, achará atraente este conceito de empresa social, porque lhes dará a oportunidade de, usando o seu talento criativo, ser diferentes. Muitos jovens, hoje, sentem-se desmotivados, porque não encontram desafios que valham a pena, que os entusiasme dentro do actual Mundo capitalista. O socialismo deu-lhes um sonho por que lutar. Os jovens sonham em criar o seu próprio Mundo perfeito.
Praticamente todos os problemas sociais e económicos do Mundo podem ser abordados por empresas sociais. O desafio está em inovar os modelos de negócio e aplicá-los para produzir os efeitos sociais desejados de forma rentável e eficiente. Saúde para os pobres, serviços financeiros para pobres, tecnologia de informação para pobres, educação e formação para pobres, marketing para pobres, energias renováveis – tudo isto são áreas interessantes para o negócio social.
O negócio social é importante porque lida com o que mais preocupa o ser humano. Pode mudar a vida dos 60 por cento da população mundial menos privilegiada e ajudá-los a sair da pobreza.

A EMPRESA SOCIAL GRAMEEN

Ao ceder a totalidade ou a maioria do seu capital a pobres, até empresas que têm como objectivo o lucro podem ser transformadas em empresas sociais . Trata-se de um segundo tipo de negócio social. O Banco Grameen encontra-se dentro dessa categoria de empresa social.
Os pobres poderiam receber acções dessas empresas como ofertas de doadores ou poderiam adquiri-las com o seu próprio dinheiro. No Banco Grameen os mutuários compram acções que não podem ser transferidas para outrem que não seja mutuário. O funcionamento diário do banco é gerido por uma empenhada equipa de profissionais.
Doadores individuais ou colectivos podem facilmente criar este tipo de empresa social.
Quando um doador dá um empréstimo ou um subsídio para construir uma ponte noutro país, pode criar uma “empresa da ponte” pertencente aos pobres locais. A responsabilidade da gestão da empresa pode ser entregue a uma dedicada empresa de gestão. O lucro da empresa reverterá a favor dos pobres locais como dividendo para ser utilizado na construção de mais pontes. Muitos projectos de infra-estrutura como ruas, auto-estradas, aeroportos, portos, empresas de serviços podem ser construídos desta forma.
O Grameen criou duas empresas sociais deste tipo. Uma fábrica de iogurtes para produzir iogurtes fortificados para alimento de crianças mal nutridas, numa joint-venture com a Danone. Continuará a crescer até que este iogurte chegue a todas a crianças mal nutridas do Bangladesh. Outra é uma rede de hospitais de oftalmologia. Cada hospital executará 10 000 operações a cataratas por ano a preços diferenciados para ricos e pobres.

BOLSA DE CAPITAIS COM CARÁCTER SOCIAL

Para ligar os investidores às empresas sociais necessitamos de criar um mercado de capital social onde só acções de empresas sociais sejam negociadas. O investidor dirigir-se-á a este mercado de capitais com o objectivo claro de encontrar uma empresa social que tenha uma missão que lhe agrade. Quem quiser fazer dinheiro dirigir-se-á ao actual mercado de capitais.
Para que este mercado de capitais social funcione devidamente será necessário criar agências de avaliação, terminologia standard, definições, ferramentas para medir impactos, formatos para relatórios e novas publicações financeiras, como por exemplo, o Wall Street Journal Social. Escolas de gestão oferecerão cursos e licenciaturas em gestão empresarial para empresas sociais, de forma a treinar jovens gestores para gerirem da forma mais eficiente o negócio empresarial social e, acima de tudo, inspirá-los para que venham a criar a suas próprias empresas sociais.

O PAPEL DO NEGÓCIO EMPRESARIAL NA GLOBALIZAÇÃO

Apoio a globalização e acredito que pode trazer mais benefícios aos pobres do que a sua alternativa. Mas deve ser o tipo certo de globalização. Para mim, a globalização é como uma auto-estrada de cem faixas que cruza o mundo inteiro. Se for uma auto-estrada livre para todos, as suas faixas serão açambarcadas pelos camiões gigantes de economias poderosas.
Os riquexós do Bangladesh serão atirados para fora da auto-estrada. Para conseguir uma globalização onde todos ganhem temos de ter regras de trânsito, polícia de trânsito e uma autoridade de tráfego para esta auto-estrada global. A regra do “mais forte” deve ser substituída por regras que assegurem que os mais pobres tenham acesso a um local e uma parte da acção, sem serem empurrados para fora pelos mais poderosos. A globalização não deve tornar-se em imperialismo financeiro.
Podem ser criadas empresas sociais multinacionais que retenham os benefícios da globalização para as pessoas e países pobres. Uma vez que o objectivo destas empresas não são os dividendos, o seu capital ficará na posse de pobres ou manter-se-á em países pobres.
O investimento directo de empresas sociais estrangeiras será uma boa notícia para os países receptores. A construção de economias fortes em países pobres protegendo os seus interesses nacionais da exploração por outras companhias, será uma área de interesse fulcral para as empresas sociais.

CRIAMOS O QUE QUEREMOS

Nós aceitamos o que queremos ou o que não recusamos. Aceitamos o facto de que haverá sempre pobres à nossa volta, que a pobreza faz parte do destino humano. É precisamente por isso que continuamos a ter pobres à nossa volta. Se acreditássemos firmemente que a pobreza é inaceitável, que não deve ter lugar numa sociedade civilizada, teríamos criado instituições e politicas que constituíssem um mundo livre de pobreza.
Queríamos ir à lua e fomos. Nós conseguimos o que queremos conseguir. Se não estamos a conseguir nada é porque não nos empenhamos o suficiente. Nós criamos o que queremos.
O que queremos e o que conseguimos atingir depende da nossa atitude mental. É extremamente difícil alterar mentalidades quando estão formadas. Criamos o Mundo de acordo com a nossa mentalidade. Temos de inventar maneiras de, continuamente, mudar a nossa perspectiva e, rapidamente, alterar a nossa mentalidade, à medida que surgem novos conhecimentos. É possível reconfigurar o mundo, se reconfigurarmos as nossas mentalidades.

PODEMOS PÔR A POBREZA EM MUSEUS

Acredito que podemos criar um mundo livre de pobreza porque a pobreza não é criada por pobres. Foi criada e é sustentada por um sistema social e económico que desenhámos para nós próprios; as instituições e conceitos que formam esse sistema; as políticas que seguimos.
A pobreza existe porque construímos um enquadramento teórico baseado em premissas que desvalorizam a capacidades do ser humano, criamos conceitos que são demasiado limitados (como o conceitos de negócio, solvência, empreendedorismo, emprego) e instituições incompletas (como instituições financeiras que deixam os pobres de fora). A pobreza é causada mais por uma falha a nível conceptual do que por incapacidade das pessoas.
Acredito convictamente que podemos criar um mundo livre de pobreza se todos acreditarmos em conjunto. Num mundo livre de pobreza o único sítio onde será possível ver pobreza será nos museus. Quando as crianças em idade escolar fizerem visitas aos museus da pobreza ficarão escandalizadas com a miséria e a indignidade que alguns seres humanos tiveram de sofrer. Culparão os seus antepassados por terem tolerado esta condição desumana que durante tanto tempo existiu para tanta gente. O ser humano nasce neste mundo que tem capacidades, não só para cuidar de si próprio mas para contribuir para o melhoramento do bem-estar do mundo inteiro. Alguns têm a oportunidade de, de alguma forma, explorar esse potencial, mas muitos outros nunca chegam a ter oportunidade, durante a toda sua a vida, de desembrulhar esse maravilhoso presente com que nasceram. Morrem sem que as suas capacidades alguma vez tenham sido exploradas e o mundo fica privado da sua criatividade e contribuição.
O Grameen deu-me uma inabalável fé na criatividade do ser humano e fez-me acreditar que o ser humano não nasceu para sofrer a miséria da fome e da pobreza.
Para mim os pobres são com as árvores bonsai. Quando se semeia a melhor semente da árvore mais alta, num vaso, obtém-se uma réplica da árvore mais alta, mas só com uns centímetros de altura. Não há nada de errado com a semente que se semeou, apenas o solo onde foi plantada é que não é adequado. Os pobres são como bonsais. Não existe nada de errado com as suas sementes. A sociedade é que não lhes proporcionou as bases para crescerem. Tudo o que é preciso para tirar os pobres da pobreza é criarmos um ambiente que lhes seja favorável. Uma vez que eles consigam libertar a sua energia e criatividade a pobreza desaparecerá muito rapidamente.
Juntemos as mãos para que todos os seres humanos tenham a justa oportunidade de libertarem a sua energia e criatividade.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Gostaria de concluir expressando a mais profunda gratidão ao Comité Nobel Norueguês por reconhecer que as pessoas pobres, e em especial as mulheres pobres, tem o potencial e o direito a uma vida decente e que o microcrédito ajuda a libertar esse potencial.
Acredito que esta homenagem que nos fizeram inspirará por esse mundo fora, muitas outras iniciativas ousadas, capazes de proporcionarem um avanço histórico no processo de erradicação da pobreza global.

Muito obrigado.

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